sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A amplitude do Direito Constitucional ao silêncio.


Hodiernamente o debate efervescente que se trava em torno do direito constitucional de permanecer calado é se, além de abranger comportamentos de passividade do acusado – recusar-se a depor, recusar-se a fornecer material gráfico ou vocal –, deve incluir também o direito de impedir que o estado obtenha prova cuja existência material seja conhecida, mas que dependa da submissão do acusado – obtenção de sangue para exame pericial.

A primeira previsão legal dessa garantia individual do acusado foi no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 (art. 14, n.°3, ‘g’). Alguns anos depois, em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos — Pacto São José de Costa Rica — também garantiu, em seu artigo 8.°, n.° 2, ‘g’, de que toda pessoa tem o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.”

Veja que o direito ao silêncio(1) só consagrou-se, no Brasil, 20 anos depois dos Pactos Internacionais, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, conforme se lê no art. 5.°, inciso LXIII, que o “preso será informado de seus direitos, entre os quais de permanecer calado, sendo assegurada a assistência da família e de advogado”.

Um dado importante para entender melhor essa garantia constitucional, é que, em 1992, o Brasil ratificou aqueles dois Pactos, através dos Decretos n.° 592/1992 e 678/1992, sendo incorporado em nosso ordenamento nacional o princípio do nemo tenetur se detegere. Em virtude do artigo 5º, § 2º, da CF, esse princípio possui status de direito fundamental, vale dizer, possui a mais alta patente que uma norma pode ter, isto é, a de um princípio-garantia de hierarquia constitucional.(2)

Nessa esteira, é que o preceito constitucional (direito ao silêncio) surge como corolário do princípio latino nemo tenetur se detegere que, segundo se afirma, “ninguém é obrigado a se descobrir”(3) (ou seja, autoincriminar-se). Nesse sentido, o prof. AURY adverte que o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório.(4)

Na verdade, o nemo tenetur se detegere, dado o campo de sua amplitude, acaba por abranger o direito ao silêncio, não se restringindo a este último. Ou seja, tal preceito vai muito mais além do que o direito ao silêncio (comportamento passivo do acusado), para então atingir um direito mais amplo, qual seja, o direito de não se autoincriminar (inclui, aqui, o direito do acusado de impedir o Estado de obter prova invasiva, sem seu consentimento). Daí a assertiva doutrinaria de ser o direito ao silêncio umas das decorrências do princípio do nemo tenetur se detegere.

O que se quer frisar é que o direito ao silêncio ou permanecer calado, uma das maiores garantias do devido processo legal, cláusula constitucional (art. 5.°, LXIII, 1 parte), ultrapassa os limites de sua própria redação, ou melhor, como reconhece a doutrina, deve ser interpretado como sendo o direito de não produzir prova contra si mesmo.

Indo mais além, AURY afirma que se conjugando com a presunção constitucional de inocência, bem como com a necessária recusa a matriz inquisitória, é elementar que o réu não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo ou prejudicar sua defesa.(5)

Por isso, não é razoável exigir-se a cooperação do acusado para obtenção de quaisquer provas incriminadoras (invasiva ou não). Inclusive, no Brasil, o STF tem proclamado a inadmissibilidade de compeli-lo a fornecer material gráfico(6), participar de reprodução simulada dos fatos(7) e também a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial de confronto de voz em gravação de escuta telefônica(8). Inclusive, não está obrigado a fornecer materiais para a realização de exames periciais que exigem intervenções corporais (exame de sangue, teste de alcoolemia, de DNA) e ao fornecimento de material escrito para realização de exame grafotécnico.

Por fim, sufragamos do entendimento de que o direito ao silêncio (i) estende-se aos indiciados ou acusados, até mesmo aqueles que em razão de suas declarações se coloque em risco de suportarem um processo criminal, como vítimas e testemunhas; (ii) incide em feitos de natureza penal ou extrapenal (processos administrativos, sindicâncias, ou qualquer outra forma de procedimento que possa redundar em punições disciplinares); (iii) e abrange tanto o comportamento passivo como ativo, impedindo que o Estado-Leviatã obtenha provas invasivas.

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(1) Que é o selo que garante o enfoque do interrogatório como meio de defesa e que assegura a liberdade de consciência do acusado. (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 9. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais).
(2) QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo – o princípio Nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. Editora Saraiva, 2003, p. 80.
(3) QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo – o princípio Nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. Editora Saraiva, 2003, p. 04.
(4) LOPES JR., AURY. direito processual e sua conformidade constitucional. vol. I. – Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 204
(5) LOPES JR., AURY. direito processual e sua conformidade constitucional. vol. I. – Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 205.
(6) HC 77.135-8. Rel. Ilmar Galvão, RT 760/542.
(7) HC 69.026-DF, rel. Celso de Mello, DJU 4.09.92, RTJ 142/855.
(8) HC 83.096-RJ, rel. Ellen Gracie, Informativo STF n.° 330.

Por Klayton Tópor
Moderador do Grupo de Direito Penal e Processual Penal

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